Como Lidar com o Luto?
- carolteixeirasil
- 20 de mar.
- 5 min de leitura

Como já temos uma boa definição de luto aqui no blog [Como Diferenciar Tristeza, Luto e Depressão], não vou me aprofundar na definição conceitual. Basta lembrarmos que o luto é o processo pelo qual elaboramos a perda de um objeto amado, seja de uma pessoa, ideal ou de parte de si mesmo. A emoção sentida no luto é a tristeza, e como vimos no texto linkado acima, "a tristeza é uma emoção normal e necessária, que permite que a pessoa se adapte à perda e a partir do processo de luto, desligue a libido (energia psíquica) investida no objeto perdido".
Em seu artigo "Luto e Melancolia" (1917), Freud estabelece quatro etapas do processo gradual do luto, sendo estas:
1. A Negação da perda: a pessoa se recusa a aceitar a perda.
2. Busca do objeto perdido: a pessoa procura o objeto perdido em outros lugares ou pessoas.
3. Desligamento da libido: a pessoa começa a desligar a libido investida no objeto perdido.
4. Ajuste à nova realidade: a pessoa se adapta à nova realidade sem o objeto.
O próprio Freud escreve "Luto e Melancolia" em seu processo de luto pela perda de uma de suas filhas. Diante de seu próprio luto, Freud percebe o quão desafiador pode ser superar uma perda e sente a necessidade de estudar, elaborar e escrever sobre sua perda, para então superá-la, mas não como algo que foi esquecido (até porque esquecer não é superar), pelo contrário, como algo que foi vivido, sentido dolorosamente, apreendido, internalizado e sublimado.
A sublimação, no caso específico de Freud, seria o ajuste à nova realidade (etapa 4 do processo de luto), pela escrita. Freud define a sublimação como "o processo pelo qual a libido é desviada de seus objetivos sexuais originais e dirigida para outros fins, que não são mais sexuais, mas que ainda são capazes de proporcionar uma satisfação substituta" (FREUD, 1910, p. 43). Vale dizer que Freud não usa sexual para falar de sexo necessariamente, neste trecho podemos entender sexual como um tipo de impulso, o impulso humano inicial diante da perda costuma ser o da negação desta perda, logo desviar a libido deste objetivo sexual original é necessário para que se avance no processo do luto, mais adiante falaremos de casos em que o indivíduo não consegue fazer tal desvio e permanece na negação da perda. Afinal, esse desligamento libidinal, no caso do luto não é uma escolha, o sujeito é forçado a lidar com a perda, tornando o desligamento libidinal extremamente difícil e doloroso, então, a nossa dificuldade em lidar com a perda de uma pessoa amada e viver o luto não é sem justificativa, é difícil mesmo e cada um de nós descobre como lida com esse luto somente quando é obrigado a vivê-lo. Todavia o redirecionamento desta energia libidinal para outros fins mais elevados como a arte em geral, seja escrita, desenho, escultura, fotografia, cinema ou cozinhar como sua avó falecida te ensinou, é a sublimação necessária para lidar com o luto.
Em outras palavras, não existe receita de como lidar com o luto, entendemos a estrutura e etapas do luto, mas cada um terá de ver internamente e a partir das memórias e do amor vivido com a pessoa perdida, como fazer para aceitar que ela se foi e honrar sua existência e continuidade (interna) em sua própria vida, podendo até mesmo se sentir grato por ter tido a oportunidade de conviver, aprender e amar a pessoa perdida. Freud escreveu, escreveu e escreveu, teorizando sobre sua dor até conseguir lidar com a perda de sua filha amada. Mas cada qual terá de encontrar seu próprio caminho.
Mas e quando não há sublimação? Quando o sujeito não sai da negação da perda, o que acontece?
Nestes casos temos hoje o conceito de luto crônico, luto patológico ou luto prolongado. Vários nomes para um mesmo conceito e diagnóstico. Na nova versão do manual de diagnósticos de transtornos mentais da Associação Americana de Psiquiatria (APA), elaborada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o luto prolongado foi classificado como transtorno mental (CID-11), classificação que entrou em vigor em 2022.
No luto prolongado parece ser comum que a pessoa não passe da primeira etapa do processo do luto, que é a negação. Para que se alcance a superação da perda é preciso antes de mais nada, aceitar a perda. E por mais óbvio que pareça ser, essa não é uma etapa fácil. Racionalmente nós entendemos que houve uma perda, que uma pessoa amada está morta, no entanto, internamente o sentimento pode ser de negação desta perda, pois a aceitação da perda nos obriga a lidar com a dor e o vazio existencial da tristeza e talvez não estejamos prontos emocionalmente para lidar com isso, a negação se mostra como caminho alternativo possível.
Porém, todo caminho alternativo possível que tomamos tem em si um custo emocional alto. Com a negação e o adiamento em lidar com a tristeza do luto, os sintomas do luto prolongado surgem e são muito semelhantes ou podem ser iguais aos da depressão e ansiedade, com a diferença de que o motivo dos sintomas é evidente, o luto pela perda de uma pessoa amada.
Algumas pessoas podem chegar a alucinar que a pessoa perdida continua viva e em suas alucinações interagir com a pessoa, aplacando a falta que esta pessoa lhe faz. Outras podem sonhar de forma recorrente com a pessoa que se foi, e assim ver aquela pessoa e talvez conversar com ela brevemente, no sonho. Mas apesar dos breves momentos de consolo da tristeza, na maior parte do tempo a realidade se impõe, a alucinação acaba, o indivíduo desperta do sonho e constata a perda que vêm negando. A perda de interesse pela própria vida se expande gradualmente e é essencial que se busque ajuda de profissionais da saúde mental nesse momento. Me coloco a disposição para ajudar em momentos como esse, vocês conseguem entrar em contato comigo diretamente no meu whatsapp pelo site Início.
Por último, mas não menos importante, se você está passando por um processo de luto muito doloroso, converse não apenas com os profissionais da saúde mental, mas também com outras pessoas próximas que estão passando pelo luto em relação a esta mesma pessoa que você perdeu, falar sobre a falta que a pessoa amada faz com outras pessoas que também sentem essa falta pode ser acolhedor.
Referências bibliográficas:
FREUD, S. (1917). Luto e Melancolia. In: Obras Completas de Sigmund Freud (Vol. 14). Rio de Janeiro: Imago
FREUD, S. (1923). O Ego e o Id. In: Obras Completas de Sigmund Freud (Vol. 19). Rio de Janeiro: Imago.
Organização Mundial da Saúde (OMS). (2019). Classificação Internacional de Doenças (CID-11).
Comments